Rasgue seu diploma de jornalista e vá aprender a fazer crochê
Wandecy Medeiros – wandecymedeiros@gmail.com
Para o tipo de profissão que a vida me direcionou sempre achei que eu não precisava passar por um curso superior, mas o mundo inteiro achava que eu precisava sim, e que enquanto eu não tivesse um papel carimbado por alguma instituição eu era um charlatão, um oportunista, um ladrão safado, ou qualquer coisa do tipo.
Então resolvi investir quase 20 mil reais num curso superior, dinheiro que eu tirei das goelas, mas finalmente concluí meu bacharelado de cavalo. Agora tenho um papel na gaveta que diz que sou formado, e pronto: agora sou gente. Exijo respeito.
Profissionalmente nada mudou. Continuo vivendo dignamente com o pouco dinheiro que ganho. E nada mudou nas opiniões dos outros em relação a mim: quem me achava um bom jornalista continua me achando ainda um bom jornalista e quem me considerava uma porcaria continua me achando a mesma porcaria de sempre, só que agora uma “porcaria diplomada”. Eu também considero porcarias um bocado de profissionais por aí. E não falo do trabalho deles não, acho que a questão não é de ser ou não ser um bom ou um mau profissional não, é uma questão de estrutura. Até o pior jornalista vai parecer bom se for para a Rede Globo porque a estrutura oferecida possibilitará isso. Eu falo de conhecimento, de cultura geral, coisas que parecem distantes de um monte de papangu por aí (papangu, para quem não sabe, é a mistura de “papa” com “angu”). Só que eu defendo os papangus, acho que até a estupidez tem pleno direito de expressão.
Foi uma revolução particular eu ter feito um curso superior, pois eu era e continuo sendo contrário à exigência do diploma. Não me arrependi de ter feito não, mas acho que os quatro anos de faculdade que eu fiz poderia ser mais bem aproveitado em outra coisa. Deveria ter aproveitado esses quatro anos para ter aprendido a assobiar. Tenho 34 anos e não sei assobiar ainda e na vida é mais importante saber assobiar do que ter um diploma de jornalista. Também não sei dar um nó bem dado, não sei descascar um simples abacaxi nem repartir direito uma melancia, no entanto conheço inúmeras baboseiras que não servem absolutamente pra nada.
Conheci na faculdade muita gente metida a besta, papagaios, gente que só quer ser “as pregas”, mauricinhos e patricinhas que se julgam rebeldes, rebeldes sem causa, gente janota, uma dezena de pessoas legais, pessoas cultas também que usam o nariz pra espirrar (sabe-se lá pra que mais) e não para empinar. Aprendi também um monumento de besteiras. Se hoje eu sou um cabra besta a culpa é do meu curso superior, onde me fizeram passar horas e horas fazendo fichamentos de livros de escritores idiotas. E como têm escritores idiotas no jornalismo. Você precisa ler dez mil livros pra encontrar um que valha a pena. Por isso os jornalistas são uma raça mecânica, técnica e eficiente. Jornalistas formados têm parafusos e ruelas demais na cabeça e basta uma boa chave de fenda para você desparafusá-los e desmontá-los do jeito que achar melhor.
E alguns se consideram o “tampa”, as “pregas”, “a bala que matou John Lennon”, apenas por ser jornalista. Jornalista trabalha com o pré-fabricado, o interesse por trás da lábia, o defunto devidamente enterrado e depois já ressuscitado e depois canibalizado, a notícia preparada de forma a não contrariar o industrial que anuncia leite em pó para que ele continue anunciando seu produto, e qualquer informação desabonadora aos interesses de quem patrocina é logo adaptada para uma forma que ludibria a opinião pública, aliás, opinião pública é apenas um nome bonito para esconder o real sentido: “a burrice geral”. O povo é burro, a humanidade é burra, e os jornalistas não fazem nada mais nada menos do que realçar essa burrice. O jornalismo trabalha com a papagaiada diária de noticiar sempre a mesma cantilena, cujo enredo só muda os personagens. Em regra, é uma raça cerebral e pragmática, o tipo de gente que pode detonar uma bomba atômica e depois anunciar que apenas soltou um traque. E vice-versa. Eu não gosto de jornalistas. Eu mesmo me evito. Vivo fugindo de mim mesmo a todo o momento para eu mesmo não me esbofetear na cara.
Claro que é uma profissão nobre, assim como esgotar fossa também é. Tem gente de talento e tudo o mais, mas esse não é o ponto da minha abordagem, pois falo do geral, não do particular. Também não cismo com o curso superior em si, ele é importante para alargar os horizontes de todo mundo, mas acho pouco provável que alguém que tenha lido os grandes clássicos da filosofia, da literatura, e tenha entendido o valor da liberdade de informação, a importância do livre trânsito do conhecimento, seja capaz de defender que o jornalista necessite de um certificado para o exercício da profissão. Enquanto nos países cultos, como a Holanda, se fala em abolir um monte de títulos inúteis e certificados caça-níqueis e a Europa inteira caminha gradativamente nesse sentido, no Brasil se faz baderna porque o diploma para se exercer a profissão de jornalista não é exigência.
Que cada empresa tenha a sua própria política de admissão de profissionais, e me poupe desse papo enferrujado de que alguém só será jornalista se passar quatro anos fazendo fichamentos como eu. Por mim o Ministério do Trabalho pode fornecer o registro profissional de jornalista a todos os 190 milhões de brasileiros que não tem nada de errado. Se der, ainda descolo um pra o meu cachorro.
Nota dez para o Supremo Tribunal Federal pela decisão de não tornar o diploma de jornalismo obrigatório. É claro que preciso respeitar quem pensa de outra forma, mas se a imprensa é um dos principais pilares da democracia, e de um povo livre até onde a liberdade possa ser exercida, é mister que esse direito se dê nesse patamar prático do acesso total à informação, e até à desinformação, onde o livre trânsito das idéias, da notícia, possa ser exercido sem que nenhuma instituição se sinta no dever de outorgar esse direito que deve ser geral. Rasgue o seu diploma de jornalista e vá aprender a fazer crochê.